Companhias tentam salvar ágio com opção intermediária
Com a proximidade da edição da medida provisória que vai pôr fim ao Regime Tributário de Transição (ver mais nesta página), prevista para este mês, o setor empresarial e agentes do mercado de capitais se articulam para tentar evitar que o governo acabe com o benefício fiscal que permite a amortização do ágio gerado em aquisições de empresas.
O pleito primário das companhias é para manutenção integral do benefício. Mas o Valor apurou que existe disposição para negociação de uma proposta intermediária.
Em vez de simplesmente se acabar com a amortização fiscal do ágio, o uso do benefício deixaria de valer para operações societárias dentro do mesmo grupo econômico, que são as transações vistas como mais polêmicas pela Receita Federal.
Outra mudança seria usar o prazo de dez anos para aproveitamento do benefício. A regra atual fala de cinco a dez anos, mas a maioria das empresas acaba usando o período mais curto.
O coordenador de sistemas de fiscalização da Receita Federal, Daniel Belmiro, nega que a discussão sobre o fim da amortização do ágio seja o motivo para o atraso na edição da MP.
A medida provisória estava prevista para o fim de julho, depois ficou para agosto e agora se fala no fim deste mês para sua publicação no Diário Oficial.
Segundo Belmiro, a demora se explica porque o texto está passando por revisão técnica da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que estaria concluindo seu trabalho.
Aproveitando a questão do fim do RTT, a Receita Federal incluiu no texto da MP um dispositivo que acaba com o benefício fiscal da amortização do ágio.
Atualmente, quando uma empresa adquire outra, parte do valor pago acima do patrimônio líquido da adquirida pode ser amortizada num prazo de cinco a dez anos. Isso entra como despesa no balanço da compradora para fins fiscais, o que reduz sua base de cálculo de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Como se trata de um benefício fiscal para o comprador, isso lhe estimula a pagar mais caro em aquisições, o que faz com que mais vendedores aceitem fechar negócio. O benefício, portanto, é um mecanismo facilitador de operações fusões e aquisições.
Desde que se tomou conhecimento dessa iniciativa da Receita Federal, entidades de mercado e representantes das empresas procuraram o governo federal para pleitear a manutenção da dedutibilidade fiscal do ágio.
“Em um momento em que a gente sente que o mercado precisa de gás, uma medida como essa teria efeito danoso”, disse Antonio Castro, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), que disse ter escrito uma carta ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, manifestando essa preocupação. “Muitas transações [de fusões e aquisições] deixariam de ocorrer”, afirmou.
O que as empresas aparentemente não pretendem questionar é que o cálculo do ágio por expectativa de rentabilidade futura (“goodwill”) seja feito, também para fins fiscais, pelo mesmo sistema usado na contabilidade no âmbito do padrão IFRS.
Essa regra determina que a diferença entre o valor pago numa aquisição e o patrimônio líquido da empresa comprada – normalmente chamado simplesmente de ágio – seja alocada em três parcelas.
A primeira é a mais-valia ou menos-valia dos ativos e passivos adquiridos a valor de mercado, uma vez que o patrimônio da empresa comprada fica registrado por valores de custo histórico. A segunda parcela é justificada – e consequentemente alocada – pela existência de ativos intangíveis da empresa adquirida, como marcas, licenças e patentes.
Somente o que não puder ser alocado nessas duas etapas é que fica como goodwill, que seria a parcela motivada por expectativa de rentabilidade futura.
Pela proposta da Receita, esse goodwill não poderia ser amortizado fiscalmente – o que ainda depende de uma decisão final do governo. Os demais valores alocados nas duas primeiras etapas em outras contas do ativo poderiam ser aproveitados fiscalmente conforme sua depreciação ou amortização.
MP do regime fiscal deve sair este mês
A tão aguardada medida provisória que vai pôr fim ao Regime Tributário de Transição (RTT) deve ser publicada até o fim deste mês, conforme expectativa de agentes de mercado e de representantes da Receita Federal.
“As empresas precisam de tempo para se adaptar, por isso elas querem que saia o mais rápido possível”, disse Daniel Belmiro, coordenador de sistemas de fiscalização da Receita Federal, ao explicar por que é interessante que o texto seja publicado logo.
O técnico do Fisco participou ontem do 2º Encontro de Contabilidade de Auditoria para Companhias Abertas e Sociedades de Grande porte, organizado pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon).
Segundo Edison Fernandes, sócio do escritório Fernandes, Figueiredo Advogados, se o governo quiser que o novo regime tributário passe a valer no início de 2013, a MP precisa sair até 30 de setembro. Isso porque mudanças ligadas à da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) precisam respeitar a “noventena” e alterações no Imposto de Renda só valem no ano seguinte ao da conversão de uma MP em lei.
O RTT foi criado em 2008, para permitir a neutralidade tributária durante o processo de migração do padrão contábil brasileiro para o modelo internacional IFRS.
Desde então, as empresas seguem usando as normas contábeis vigentes até 2007 como ponto de partida para chegar à base de cálculo do IR e da CSLL.
Essa nova MP deve lançar as bases de um novo regime de apuração do lucro real no Brasil, que terá como origem o balanço das empresas já em IFRS.
A partir do resultado societário nesse novo padrão, a MP deve indicar especificamente quais normas editadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) não devem provocar efeito para fins de tributação.
Segundo Celso Alcântara, diretor da KPMG, que também prevê que a MP saia ainda este mês, os ajustes devem envolver regras que tratam de ajuste a valor presente, baixa de ativos ao valor recuperável (“impairment”), ajuste de instrumentos financeiros a valor justo, arrendamento e depreciação de ativo imobilizado pela vida útil econômica.
Esses pronunciamentos seguirão norteando a elaboração do balanço societário. Mas, na hora da apuração do lucro para fins tributários, as companhias deverão fazer adições ou exclusões para neutralizar esses efeitos.
Esses ajustes, assim como outros ligados a benefícios fiscais a que as empresas tenham direito, serão feitos em um sistema que vinha sendo chamado de e-Lalur, que será a versão eletrônica do livro de apuração do lucro real.
De acordo com José Jayme Moraes Junior, coordenador do projeto do e-Lalur dentro da Receita, o órgão não trabalha com a possibilidade de a MP não passar este ano. “Temos quase certeza de que o RTT acaba este ano”, disse.
Moraes Junior aproveitou o evento de ontem para anunciar que o e-Lalur será apenas uma parte de uma declaração que tem sido chamada pela Receita de EFD-IRPJ -a sigla EFD se refere a escrituração fiscal digital.
Essa única obrigação acessória deve substituir, a partir do ano base 2013 (com entrega da primeira declaração em 2014) o Lalur físico, o FCont (que detalha os ajustes ligados ao RTT para o padrão contábil vigente em 2007) e a Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ).
Ainda de acordo com Moraes Junior, as empresas que são tributadas pelo lucro presumido e lucro arbitrado também devem passar a entregar a EFD-IRPJ a partir de 2014, embora não precisem preencher todos os campos.
O sistema deve estar disponível para as empresas a partir de janeiro de 2014. O projeto do Fisco é que as informações de balanço que constem da EFD-IRPJ possam ser “importadas” a partir da ECD (Escrituração Contábil Digital), que já terá sido preparada e entregue pelas empresas previamente.
Segundo Moraes Junior, a principal vantagem do novo sistema, mais integrado, tem relação com a “rastreabilidade” que ele vai permitir para os fiscais.
Já as empresas se preocupam com o pouco tempo para adaptação e principalmente com as multas que podem advir de atrasos e erros de preenchimento.
As multas devem constar da própria Medida Provisória e devem ser estabelecidas como percentual do faturamento dos contribuintes, embora o índice não tenha sido divulgado.
Executivos e empresários presentes no evento manifestaram preocupação com a magnitude dessas multas e pediram à Receita que pense em estabelecer um modelo de transição para aplicação dessas penalidades. Um deles, na plateia, chegou a falar em “abuso de poder” e “extorsão”.
Mediador do debate, Reginaldo José Camilo, diretor do Itaú, disse que o ideal é que as empresas pudessem começar a se adaptar em janeiro de 2013, e não apenas um ano depois.
Moraes Junior se comprometeu a levar a preocupação com as multas a seus superiores. (FT)
Fonte: Valor Econômico