Quanto custa um Congresso?

 

Quanto custa um Congresso?

Quanto custa um Congresso?

 

Por Carmen Tiburcio

As recentes manifestações ao longo do país conduziram a uma reflexão bastante oportuna quanto ao papel do Congresso em diversos temas de interesse nacional. Como se sabe, os últimos anos foram marcados por certo protagonismo do Judiciário, notadamente do Supremo Tribunal Federal (STF), cujas decisões frequentemente atendem a anseios sociais de maneira mais efetiva do que o Congresso: é o caso das decisões envolvendo uniões homoafetivas e pesquisas com células tronco. O fenômeno não é exclusividade do Brasil, mas, aqui, gerou algumas consequências peculiares, como a proposta de emenda constitucional que prevê a possibilidade de revisão de decisões do Supremo pelo Congresso.

Nesse cenário, diversas ponderações sobre o papel desempenhado pelo Congresso têm sido apresentadas. Pretende-se medir a eficiência dos parlamentares a partir do grau de corrupção e de desvio de dinheiro público, do custo de cada representante eleito ou mesmo do Senado e Câmara dos Deputados como um todo. Todos esses pontos são legítimos e certamente o caminho para o Congresso que desejamos ainda é longo. É possível, porém, conduzir o debate a partir de outra perspectiva. Devemos nos perguntar em que medida as leis editadas contribuíram para o avanço do país.

Em diversas matérias, como no campo tributário, as mudanças legislativas dependem de reformas mais amplas e, por criarem despesas ou extinguirem receitas do Estado, encontram limites em circunstâncias externas. Em outras matérias, porém, não há nenhum gasto relevante envolvido na edição de novas leis e a sua ausência causa vultosos prejuízos.

Essa é uma boa chance para o Legislativo retomar seu papel de protagonismo de maneira positiva e justificar seus gastos

O caso específico referente ao comércio internacional é representativo dessa última categoria. Leis que confiram segurança jurídica aos negócios realizados entre empresas brasileiras e seus parceiros estrangeiros não geram nenhum gasto significativo para o Estado e, apesar disso, podem ser decisivas para a conclusão de um negócio. Como prever e gerenciar riscos são partes importantes da atividade empresarial, uma lei que permita que as partes de um contrato internacional prevejam os riscos de seu negócio reduz significativamente o custo da transação (o famoso custo Brasil).

Em contratos entre partes provenientes de países diferentes todos os aspectos do negócio possuem maiores dimensões: há mais custos e riscos relacionados ao transporte, ao pagamento, a eventos de força maior, ou, ainda, à capacidade da outra parte de adimplir suas obrigações. Os riscos jurídicos do negócio são igualmente majorados. De um lado, pois a própria possibilidade do negócio depende da lei aplicável à relação jurídica; de outro, as consequências do inadimplemento apresentam ampla margem de variação de acordo com o direito aplicável. Nesse ou em outros casos que importem a inexecução do contrato, as soluções fornecidas pelo ordenamento jurídico e os termos em que tais soluções se apresentam, em especial quanto aos custos e à demora, são dados que devem ser levados em conta na conclusão de acordos comerciais. Do mesmo modo, a proximidade ou distância do local adequado para pleitear eventual reparação repercute sobre os custos.

Ao contrário da maioria dos países com participação relevante no comércio internacional, a lei que disciplina a matéria no Brasil é antiga e desatualizada. Trata-se da Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942; comparar as necessidades da sociedade e do comércio vigentes à época da edição dessa lei e as atuais já permite antever a necessidade de mudanças. Não obstante isso, a alteração recente promovida no diploma foi a única de que não necessitávamos. Em 30 de dezembro de 2010, foi aprovada uma lei, acertadamente criticada, que promoveu a mudança apenas do nome da lei – agora denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Uma substituição realmente inútil.

Enquanto aprovamos leis desse tipo, o Projeto de Lei nº 269 de 2004, que se baseou em trabalho de 1994, elaborado por comissão de grande qualidade composta, entre outros, por João Grandino Rodas, professor da USP, e Jacob Dolinger, professor da UERJ, foi esquecido. O projeto previa expressamente a possibilidade de escolha de lei estrangeira para reger contratos internacionais (cláusula de eleição de lei) e a submissão de tais contratos a foro estrangeiro (cláusula de eleição de foro). As duas cláusulas são comuns na seara do comércio internacional e contribuem para a redução dos custos de uma transação internacional: custos com litígios e advogados dificilmente podem ser desprezados e conseguir prevê-los é bastante relevante. Alguns casos são ainda mais dramáticos, pois a própria viabilidade de um determinado negócio pode depender do ordenamento jurídico aplicável e a incerteza quanto ao ponto faz com que empresas brasileiras percam ou deixem de captar parceiros de negócios estrangeiros.

Seria interessante aproveitar a oportunidade criada pelos debates quanto ao Congresso para modernizar a Lei de Introdução. A lei em vigor já possui mais de 70 anos e está em descompasso com o mundo dos negócios. Essa é uma boa chance para o Poder Legislativo retomar seu papel de protagonismo de maneira positiva e justificar seus gastos.

Carmen Tiburcio professora de direito internacional da Faculdade de Direito da UERJ e da UGF e consultora do escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

 

 
Fonte: Valor Econômico

 

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