Nova responsabilidade tributária dos sócios
Se constituir uma empresa no Brasil já corresponde a uma verdadeira odisseia, encerrar as suas atividades não seria diferente, tamanha a morosidade e complexidade dos atos para a sua baixa. Segundo o ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, existem cerca de um milhão de CNPJs inativos que não são baixados por conta da má burocracia.
Entre os entraves para as empresas fecharem as portas regularmente, destacava-se a necessidade da apresentação de Certidões Negativas de Débitos Tributários (CNDs), que retardava ainda mais a baixa da empresa, haja vista que se os eventuais débitos não fossem adimplidos, a baixa somente seria garantida após um ano de sua inatividade.
Mas isso ficou no passado. No dia 7 de agosto deste ano, foi publicada a Lei Complementar nº 147/14, que alterou a Lei nº 11.598/07 e permitiu o registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas, independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem.
Regulamentando a LC nº 147/14, o Departamento de Registro Empresarial e Integração publicou duas Instruções Normativas (nºs 25 e 26), dispensando a apresentação das CNDs nas juntas comerciais para fins de extinção ou quaisquer alterações societárias. Dessa forma, encerrada suas operações, a baixa das empresas pode ser requerida independentemente da existência daqueles débitos.
Espera-se, com isso, uma saída para um dos verdadeiros dominós do empreendedorismo: impossibilitados de encerrar regularmente as atividades de uma empresa, muitos indivíduos passaram a constituí-las em nome de terceiros, que por qualquer eventual insucesso, também se viam na mesma situação, acumulando um ônus cada vez maior.
Trata-se de medida que promete agradar aos empreendedores (incluindo os estrangeiros), que constantemente se veem lesados pelo excesso de burocratização do Estado.
No campo tributário, por outro lado, não houve o mesmo avanço. Isso porque, conforme previsto no novo art.7-A, º1º, da Lei nº 11.598/07, a baixa da empresa não impede que sejam lançados ou cobrados tributos e penalidades “decorrentes da simples falta de recolhimento ou da prática comprovada e apurada em processo administrativo ou judicial de outras irregularidades praticadas pelos empresários ou por seus titulares, sócios ou administradores”.
A par da responsabilidade atribuída ao sócio em decorrência da infração à lei ou atos constitutivos da sociedade, há muito prevista no art.135 do Código Tributário Nacional (CTN), desde que devidamente apurados, a nova legislação pretendeu ressuscitar um entendimento há muito enterrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no tocante à responsabilização dos sócios pelo mero inadimplemento do tributo pela pessoa jurídica.
A partir de agora, uma vez baixada regularmente a empresa e constatada a existência de tributos inadimplidos, poderão os sócios responder pelo débito tributário da extinta empresa, independentemente da comprovação da ilicitude da sua conduta.
Contudo, o entendimento firmado pelo STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.101.728 (23/03/09) submetido ao rito dos recursos repetitivos (o que implica a adoção do mesmo entendimento pelas demais instâncias), nos diz que “a simples falta de recolhimento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstãncia que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art.135 do CTN. indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa”.
Da mesma forma, o STF já foi instado, há muito, a se manifestar sobre regra muito semelhante e conhecida da comunidade jurídica e empresarial, o art. 13 da Lei nº 8.620/93, que assim dizia: “O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social”.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 562.276 (03/11/10), que declarou a inconstitucionalidade daquele dispositivo, restou assentado que as regras de responsabilização tributária estão assentadas na lei complementar de normas gerais em matéria tributária (art. 146, III da CR/88), hoje, o CTN, que assim o fez em seus arts. 124, 128 e 135, não se incluindo a responsabilização pelo simples inadimplemento de tributo (sem que tenha ocorrido qualquer infração à lei ou estatuto).
Mas não é só isso. Além da inconstitucionalidade formal, já que se tratava de uma lei ordinária, o STF reconheceu a inconstitucionalidade material daquele dispositivo, deixando uma importantíssima mensagem para o legislador: “Não é dado ao legislador estabelecer confusão entre os patrimônios das pessoas física e jurídica, o que, além de impor desconsideração ex legee objetiva da personalidade jurídica, descaracterizando as sociedades limitadas, implica irrazoabilidade e inibe a iniciativa privada, afrontando os arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição”.
Por tudo isso, ainda que o art. 7-A tenha sido inserido por uma lei complementar, suas disposições contrariam expressamente o entendimento firmado no RE nº 562.276 pelo STF revestindo, tal qual o art. 13 da Lei nº 8.620/93, latente inconstitucionalidade material. Como adverte o professor Hugo de Brito Machado, “em face da mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal, nem mesmo uma emenda constitucional poderá estabelecer a responsabilidade que estava estabelecida no malsinado art. 13, pois o obstáculo é indiscutivelmente uma cláusula de imodificabilidade, nos termo do art. 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal” (RDDT nº195).
Como se observa, caberá aos contribuintes, mais uma vez, se socorrer ao Poder Judiciário para afastar essa patente inconstitucionalidade.
Fonte: Diário do Comércio