O projeto que marcou a história do setor de informática em SC

 

O projeto que marcou a história do setor de informática em SC

Participei diretamente de toda a estratégia de marketing elaborada para firmar o nome de Blumenau como um polo desenvolvedor de software reconhecido nacionalmente.

As primeiras ações foram adotadas em 1991. Foi uma época cheia de improvisos e soluções insólitas. Os bastidores foram marcados por lances de sorte, ousadia e criatividade, muitos deles divertidos, inesperados e rocambolescos.

Nessa matéria, revelo alguns dos detalhes desse bem sucedido projeto de marketing cooperado, em que muitas empresas – várias delas concorrentes entre si – se uniram em torno de um movimento que beneficiaria a todas. Os resultados obtidos pelo setor de software de Blumenau mostram como a cooperação entre empresas pode servir para fortalecê-las.

 
 
Em 1990 eu era assessor de imprensa do Cetil, birô de serviços de informática com sede em Blumenau, de onde muitos profissionais saíam para montar suas próprias empresas. Fui contratado por decisão do diretor Sebastião Tavares Pereira, que era também presidente nacional da Assespro, a associação das empresas de processamento de dados.
 
Naquele ano participei da Fenasoft (segundo maior evento mundial de informática à época, realizado anualmente em São Paulo) na qualidade de assessor da instituição.
Conheci vários jornalistas de grandes veículos. Entre eles estava uma repórter de informática da Folha de São Paulo, Darlene Menconi, que sabia apreciar um chopinho e tinha vontade de conhecer a Oktoberfest.
 
Convidei-a para visitar Blumenau em outubro em nome do Cetil. Mas ela não pode vir. Em janeiro de 91, retomamos contato e ela me disse que poderia vir a Blumenau se fossem apresentados argumentos aos editores capazes de justificar a visita.
 
A montagem de um perfil
 
Recebi carta branca do diretor Tavares e iniciei a montagem de um perfil do setor de informática de Blumenau. Telefonei para empresas de software e também para as grandes indústrias, que contavam com volumes expressivos de pessoas empregadas em seus centros de processamento de dados.
 
Resultado: somando-se tudo, Blumenau contava com 1,5 mil pessoas diretamente envolvidas com a informática, distribuídas por 50 empresas que movimentavam cerca de US$ 30 milhões por ano.
 
Blumenau também contava com grandes inovações, sendo o berço da automação bancária do país e maior fornecedor de sistemas para a área pública. Da cidade saíram novidades como o primeiro software com janelas sobrepostas (WK Sistemas), soluções para gestão financeira (PC Auxiliar, hoje Mult Sistemas) e o processador de textos nacional mais vendido (Fácil). Mendes Engenharia, Syncrotape, Contrisul e Sanmak se destacavam com soluções em hardware.
 
A prefeitura era considerada a quarta mais informatizada do Brasil e uma empresa de Blumenau havia desenvolvido o software utilizado pela Justiça Eleitoral como teste para as primeiras eleições informatizadas. Blumenau também contava com fabricantes de planilha eletrônica (Easy Calc) e software de compressão de dados (Stress).
 
Coloquei todos os dados no papel, caprichei nas tabelas e gráficos e mandei para a Folha de São Paulo. A pauta foi aprovada e a repórter Darlene Menconi visitou Blumenau por conta do Cetil. Sua estada rendeu matérias de página inteira durante três semanas no caderno de informática da Folha, lançando o nome de Blumenau e suas empresas no cenário nacional pela primeira vez de forma institucionalizada.
 
Os pipoqueiros
 
Darlene ficou dois dias em Blumenau. Guiada por Tavares, visitou empresas e entrevistou pioneiros como José Milton da Silva, criador do Fácil, e Werner Keske, da WK Sistemas. Nosso maior problema foi arrumar uma entrevista com o então prefeito Victor Sasse, notoriamente avesso à publicidade. Oscar Jenichen, secretário de comunicação, conseguiu agendar uma entrevista em cima da hora e concordou em municiar Sasse com os dados sobre a importância da informática da cidade que eu havia preparado.
 
Mas Sasse quase conseguiu colocar tudo por água abaixo. Diante da jornalista da Folha, conseguiu a proeza de desviar do assunto para reclamar de pipoqueiros que estavam fazendo greve nas escadarias da prefeitura. Também resolveu descer a lenha na oposição.
 
Darlene não ficou com uma impressão muito simpática do prefeito. Levei-a ao quarto andar, onde ela conheceu a tecnologia local empregada no combate às enchentes. Tavares procurou a secretária de Planejamento Cláudia Siebert e lhe passou os dados. Ela rapidamente assimilou as informações e concordou em receber a repórter para uma entrevista em seu gabinete.
 
Cláudia conseguiu reverter o quadro, concedendo uma entrevista produtiva e repleta de dados técnicos sobre a infraestrutura de tecnologia utilizada pela administração municipal.
 
Darlene saiu da prefeitura satisfeita com os dados, mas reclamou de algumas declarações de Sasse. Fiquei preocupado com os pipoqueiros. Caso a repórter os encontrasse nas escadarias, poderia ter a atenção atraída por tão inusitado assunto.
 
Felizmente, consegui alertar Tavares para o risco que corríamos. Demos um jeito de sair pelo lado oposto, evitando o confronto face to face da repórter com o temível cartel de produtores de pipoca.
 
A Fenasoft
 
A repercussão das matérias da Folha foi retumbante. Elaboramos um projeto de marketing, que contemplava ações em três frentes, num espaço de três anos. Uma das atividades era a participação da cidade na Fenasoft.
 
Montamos o orçamento e tivemos apoio imediato da secretária Cláudia Siebert, que concordou em providenciar uma verba para levar gratuitamente pequenas empresas de informática para o evento, num estande coordenado pela prefeitura para mostrar o potencial tecnológico da cidade.
 
O vigia noturno
 
O estande da prefeitura de Blumenau foi contratado e desenhado via fax a partir dos escritórios da empresa Fácil Informática. O diretor Carlos José Pereira conseguiu preços camaradas com a montadora que fornecia os estandes da empresa.
 
Na época não havia internet. E a reserva de mercado tornava os microcomputadores muito caros e obsoletos. Foi conseguido um empréstimo gratuito de três PCs junto a um fabricante de São Paulo. Mas havia uma exigência: seria preciso manter um vigia 24 horas no estande entre sábado e terça-feira, quando a feira seria aberta. Isso representaria um custo muito alto.
 
Tive então uma ideia: entre os pequenos empresários que pleiteavam uma vaga no estande, estava um jovem que apresentava uma situação financeira particularmente desfavorável, conforme ele mesmo apregoava. Propus uma troca: ele ficaria de vigia no estande durante os três dias e nós pagaríamos a passagem de ônibus dele. Ele aceitou na hora. E ficou particularmente feliz, pois economizaria dinheiro com hotel dormindo no estande no período pré-feira.
 
Deu tudo certo. Nosso herói ficou amigo dos demais seguranças, com quem jogou inúmeras partidas de baralho nas madrugadas. Quando sentia sono, dormia escondido sob um dos balcões do estande. Chuveiros no pavilhão de exposições garantiram banhos clandestinos.
 
Como subornei os fiscais
 
Era a primeira vez que participávamos como expositores de uma feira de forma coletiva. Faltavam-nos informações e experiência. Roberto Hering, diretor do CPD da prefeitura, viajou como responsável pelo estande. Logo na primeira manhã eu o vi cercado por dois fiscais da prefeitura de São Paulo. Queriam ver alvarás, recibos de taxas e outros documentos que não tínhamos. Aliás, naquele atropelo todo, sequer sabíamos que deveríamos pagar qualquer tipo de taxa.
 
Seríamos multados e o estande ficaria fechado caso as taxas não fossem pagas. Roberto Hering tentava argumentar. Decidi intervir. Me apresentei aos fiscais como jornalista de Blumenau, disse que aquela era a única prefeitura presente, falei das dificuldades, exagerei as agruras e apelei para o bom e velho corporativismo. Afinal, era uma prefeitura multando outra. Além disso – argumentei brincando – estávamos dispostos a suborná-los com o chope e petiscos da Hemmer.
 
Meu apelo dramático deu resultados. Um dos fiscais olhou para o outro disse: “eu não estive aqui, e você?”. O outro deu a mesma resposta: “Eu também não. O pessoal de Blumenau é gente fina”. Pediram que a visita deles não fosse mencionada a ninguém. Desejaram-nos boa sorte, disseram que éramos malucos e foram embora sorridentes.
 
O fritz, as fridas e o ministro
 
Para criar uma unidade visual capaz de realçar a imagem de Blumenau na Fenasoft de 1991, Tavares sugeriu que as empresas vestissem suas recepcionistas com trajes típicos germânicos. Várias delas adotaram a ideia. Enquanto os demais expositores enfeitavam seus estandes com modelos vestindo os tradicionais tubinhos e mini-saias pretos, as recepcionistas de Blumenau ostentavam longos vestidos cheios de babados.
 
O empresário Werner Keske, da WK Sistemas, decidiu ele próprio vestir um traje típico. O fato inusitado serviu para atrair mais gente ao estande. A imprensa também gostou da novidade. Werner e a esposa, Maria Ignez, acabaram ilustrando uma foto colorida na Revista Manchete.
 
O prefeito de Blumenau Victor Sasse estava presente à abertura da feira. Foi convencido da importância do evento pela secretária Cláudia Siebert. Sasse havia convidado o então governador Vilson Kleinübing. Ambos compuseram a mesa de autoridades ao lado do ministro José Goldemberg, da Ciência e Tecnologia.
 
Enquanto caminhava com a comitiva, o ministro Goldemberg viu o empresário Werner Keske e suas funcionárias em trajes típicos e disse que achava as roupas curiosas. Kleinübing não perdeu a oportunidade. “São empresas do meu estado, ministro. Temos muitas empresas de tecnologia por lá”, disse o governador, ao mesmo tempo em que puxava Goldemberg para o estande.
 
A comitiva e a imprensa invadiram o estande da WK no momento em que Werner Keske fazia uma apresentação de seus softwares enquanto comia um salsichão alemão.
 
Como Blumenau venceu a gigante IBM
 
A Fenasoft de 1991 tinha um significado especial. Era a primeira vez que o colosso multinacional IBM, até então maior empresa do mundo no setor tecnológico, participava de uma feira no Brasil. Seu estande era gigantesco, povoado por dezenas de funcionários e recepcionistas sobriamente trajados, ostentando sorrisos de padrão internacional. Estava tudo preparado para que o ministro e a imprensa visitassem a feira e terminassem o périplo no estande da IBM.
 
Mas as coisas deram terrivelmente erradas para os americanos. O monumental estande da IBM estava logo em frente ao pequeno, semi-clandestino, mas extremamente alegre, colorido e simpático estande de Blumenau. Quando a comitiva de autoridades passou por lá, o prefeito Sasse entrou em ação, convidando o ministro para provar um chope da Antarctica e os petiscos.
 
Parecia uma horda de bárbaros. Autoridades e jornalistas do Brasil inteiro se acotovelaram no minúsculo espaço. O ministro fez questão de posar ao lado da rainha e das princesas da Oktoberfest. O prefeito Sasse e o governador Kleinübing deram dezenas de entrevistas.
 
No estande em frente, sem entender os motivos de tanto tumulto, funcionários da IBM aguardavam, perfilados, pela visita ministerial, que acabou durando menos que o previsto. Nos dias seguintes, Blumenau ocupou as manchetes dos cadernos de economia e informática dos principais jornais.
 
A arte de seduzir a imprensa
 
Prefeituras como Belo Horizonte e Curitiba seguiram o exemplo de Blumenau no ano seguinte, patrocinando estandes para suas pequenas empresas. Animado com a repercussão, o governador Vilson Kleinübing anunciou a transformação do estande de Blumenau num pavilhão catarinense, estratégia posteriormente adotada por estados como Ceará, Paraná e Minas Gerais. Participando da feira junto com Joinville, Florianópolis e outras cidades, Blumenau precisava encontrar meios de se destacar.
 
A Fenasoft adquiriu proporções tão grandes que a prefeitura de São Paulo precisava aprontar esquemas especiais de trânsito durante sua realização. No campo do marketing travavam-se batalhas sangrentas na sala de imprensa, onde assessores faziam o possível para emplacar os clientes nas páginas dos grandes jornais.
 
Para diferenciar Blumenau, sugeri a compra de canecos de chope da Oktoberfest, onde pretendia colocar os releases – materiais de divulgação preparados para a imprensa. Os canecos foram patrocinados pela WK Sistemas. Assim, ao invés de distribuir apenas os releases para os jornalistas, eu me aproximava deles com a desculpa de oferecer os canecos de chope.
 
Resultado: enquanto os demais assessores precisavam implorar de joelhos pela atenção da imprensa, jornalistas vinham até mim para pedir “aqueles releases legais de Blumenau”.
 
O irresistível charme das princesas
 
Todas as ferramentas de marketing eram válidas para chamar a atenção da midia para Blumenau e suas empresas. O assessor de imprensa da Fenasoft, Laudelino José Sardá, era meu amigo. Numa das edições da feira, sugeri a ele que fizéssemos um happy hour na sala de imprensa. Daríamos o chope, que seria servido pela rainha e princesas da Oktoberfest. Sardá topou.
 
Levar rainha e as princesas da Oktober para o meio dos jornalistas foi fácil. Difícil foi levar o barril de chope. Eu e Álvaro Correia Filho, da secretaria de Turismo, tivemos que rolar um pesado barril até lá. Foi suado, mas valeu a pena. Jornalistas de todo o país fizeram fila em frente às três beldades para ganhar um chope. Novamente, emplacamos a tecnologia de Blumenau na mídia.
 

 
O sucesso do marketing cooperado
 
Algumas empresas de software de Blumenau já faziam sucesso individualmente no início da década de 90. De vez em quando surgia a proposta de se fazer ações de marketing conjuntas para que a cidade fosse conhecida como um polo produtor de software de qualidade. O start do processo se deu de maneira definitiva a partir da visita da repórter da Folha de São Paulo. Depois dela, dezenas de outros veículos produziram notícias sobre o software local.
 
As empresas de software de Blumenau foram pioneiras no marketing cooperado, somando esforços que resultaram em benefícios para todas. A simples menção ao fato de serem de Blumenau abria e ainda abre portas para empresas do setor. A cidade se transformou em sinônimo de qualidade e inovação no setor.
 
Ações conjuntas de empresas lançaram o nome de Blumenau e do Estado em nível nacional 

A participação da prefeitura e empresas na Fenasoft foi apenas a primeira atividade realizada. Muitas outras ações foram implementadas nos anos seguintes.
 
O marketing cooperado funciona como uma grande teia de aranha. Várias empresas contribuem para sua construção. Com isso, a chance de atrair negócios é maior. Depois da captura, compete a cada empresa aplicar suas habilidades individuais para fechá-los primeiro.
 
Ao longo dos últimos 15 anos, as empresas de software cresceram. A concorrência entre várias delas se acirrou. Mas até hoje elas continuam investindo em projetos de benefício comum para o setor e a cidade, mantendo a tradição do marketing cooperado.
 
Um grupo unido
 
O pequeno grupo de empresas que em 1991 participou das primeiras ações de marketing do setor de software de Blumenau era composto por Cetil Informática, Contrisul, Cia. De Software, Fácil Informática, Informática Blumenau (atual Edusoft), Megasul, Mendes Engenharia, Microton, Oficina de Software (hoje Totall.Com), PC Auxiliar (Mult Sistemas), Senior Sistemas, Syncrotape e WK Sistemas.
 
Governador mudou política do ICMS
 
O governador Vilson Kleinübing era um homem da informática. Iniciou a carreira como programador na Celesc. Emocionava-se ao lembrar das noites em claro com os colegas nos heróicos tempos dos mainframes.
 
Impressionado com a repercussão alcançada por Blumenau na Fenasoft de 1991, Kleinübing anunciou, ainda durante o evento, planos para fortalecer o setor de informática no Estado. A primeira medida foi isentar as empresas do setor do pagamento do ICMS. Logo em seguida foram lançadas as incubadoras de Florianópolis. Kleinübing também cedeu gratuitamente a antiga sede da Telesc em Blumenau para abrigar a incubadora local.
 
Fonte: www.noticenter.com.br/?modulo=noticias
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